sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018
Tenho uma pérola...
tenho uma pérola de espinhos a circular ligeiramente desmaiada
dentro do sangue
e todo geométrico sangue sai pelas guelras fora
gesticulando
na profundidade etérea
da minha garganta contra a radiação solar
e nas poças transparentes do pulmão
um fumo astronómico a inclinar o outro pulmão
que baila peito acima e abaixo
numa fúria
em forma de trovoada
as genialidades que mais amo estão viradas para o avesso
e essa pérola de espinhos
chora dulcíssima com todo o seu génio
sobre choques térmicos deste frágil som eléctrico
e um trémulo bolor solta-se
como repuxos abruptos
depois subo tantos degraus quantos tombo enrolado numa treva
em delírio adentro no incêndio deste crime
roubo o futuro da luz
e das cidades sem qualquer desvastação
ou beleza
que magneticamente racha o ilusório nocturno lugar
como a pancada desse sangue brutal
compõe esses espinhos formidáveis até colocar as pérolas
em cima da boca sedutora e doce
e a garganta em chaga aniquila todos os espinhos e pérolas
desaparecendo-os
um por um
destes movimentos muito quentes
estrangulando-se sem memória nem coração
Filipe Marinheiro (Aveiro, 1982. Portugal)
«A poesia é um jogo de estados de espírito… aliás, eu não sei o que é a poesia, não sei defini-la. O acto de escrever poesia é simplesmente um jogo de estados de espírito reflectidos num espelho metido para dentro e para fora. A_palavra e a linguagem são meros instrumentos.»
Ouça o poema en voz do seu autor: https://www.youtube.com/watch?v=FRNfxUvMTEs
Publicado em Elipse 5. Fevereiro de 2015.
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